25 de jul. de 2010

Capítulo I – Quando fala o coração

Era uma noite de chuva e frio. Cassandra Cacilda e suas amigas estavam em casa, entediadas daquele sábado sem cor. Elas eram jovens, lindas e poderosas, tinham cabelos compridos e tinham feito depilação definitiva fazia poucos meses. Por quê, então, deveriam passar a noite de sábado em casa, comendo Doritos e assistindo o Roda a Roda?

- Amigas, nós temos todos os motivos do mundo para sairmos esta noite! – começou Cassandra Cacilda, irritada, cortando o silêncio da sala.
- Mas está chovendo, e está tão frio lá fora...
- Frio está seu coração. Há quanto tempo você não pega ninguém mesmo?

A amiga encarou raivosamente os olhos de Cassandra Cacilda. Mas permitiu-se permanecer calada. As outras, observando a cena, animaram-se em sair, mesmo com o frio que fazia lá fora.
Logo, estavam todas tirando o pijama e o creme de pepino do rosto. Em questão de minutos, estavam vestidas e cheirosas para matar.

- Temos licença para arrasar! – gritaram. Este era seu grito de guerra.

Decidiram fazer o “esquenta” em um restaurante orgânico, muito conhecido na cidade. Depois iriam para o BaladaEco, uma boate sustentável que usava a água da chuva para produzir o gelo que seria usado nos mictórios.
Sentaram-se e fizeram seus pedidos. Cassandra Cacilda optou pela Salada Cavalo: uma deliciosa salada de broto de alfafa e feijão, com macios e suculentos grãos de milho cozido.
Deliciaram-se com seus pratos orgânicos e pouco calóricos, dando risadas e contando fofocas entre uma garfada e outra. Satisfeitas, pediriam a sobremesa para logo seguirem para a boate. Cassandra Cacilda pediu a mousse de beterraba com granola. Seria preciso muita energia para agüentar a noitada que estava por vir.

Foi quando deu a primeira colherada na mousse que Cassandra Cacilda viu uma luz adentrando o recinto. Seguido por um cheiro inconfundível de perfume Avon masculino e gel Bozzano. A luz enfraqueceu seus olhos, mas logo ela pôde ver: um homem que ela definiria com apenas duas palavras: deus grego. Alto, branco (até demais), olhos de um castanho muito claro. Esse era o homem ideal.

Ele estava sozinho. Andou até o bar enquanto arrancava suspiros das mulheres que ali estavam. De alguns homens também. Sentou-se e pediu um drinque azul-espumante. Cassandra Cacilda não conhecia aquele drinque, mas achou toda a cena muito sensual. Aquele homem mexia com seus instintos mais selvagens.

O homem lançou um rápido olhar sobre ela que, encabulada, desviou, fingindo prestar atenção na mousse e na conversa das amigas. Fitava rapidamente o rapaz, observando-o com voluptosidade. E ele retribuía, deixando Cassandra Cacilda com a bochechas vermelhas.

- Vou ao banheiro, alguém me acompanha? – disse uma das amigas.

Todas levantaram-se, menos Cassandra Cacilda, distraída pela estonteante beleza do rapaz sentado ao bar.

- Você não vem, Cacildinha?
- N... não... Vou ficar bem aqui. – respondeu, desviando o olhar para as amigas.
- Então está bem, voltamos logo – uma delas respondeu.

Cassandra Cacilda voltou a admirar o rapaz. O rapaz lindo, perfeito, alto, másculo, cheirando à testosterona. Ela o queria.
Foi então que ele levantou-se e veio andando em sua direção. “Ele está vindo falar comigo?”, pensava ela. O cheiro que ele exalava fazia-a suspirar de prazer, fechando os olhos e esquecendo seus outros sentidos.

- Olá – interrompeu uma voz grossa.
Ela abriu os olhos. Era ele!
- Posso me sentar? – pediu educadamente.
- Claro! – respondeu, não conseguindo esconder o entusiasmo.
- Estava te olhando ali do bar, e... Bem, percebi que suas amigas te deixaram aqui sozinha...
- Sim, estou sozinha – ela falava baixo. Agora o cheiro dele estava muito mais forte.
- É, e queria te falar uma coisa, sabe? É que...
- O quê? – perguntava ela, aproximando-se dele.
- Tem uma coisa roxa no seu queixo. Bem estranha... Melhor limpar, hein? – e saiu da mesa acenando para ela.

Pronto, sua auto-estima caiu. Foi para o pré-sal. Ela já não queria mais sair. Limpou a sujeira de seu queixo e foi preparando-se para sair quando suas amigas voltaram do banheiro. Elas riam, estavam animadas com esta noite.

- Amigas, viram o gato que está no bar? – disseram duas das amigas, em coro.
A pergunta foi seguida por risinhos abafados e olhadelas em direção ao bar. Cassandra Cacilda apenas acenava com a cabeça, com um olhar triste.
- O que foi, Cassandra?
- Não estou muito bem. Acho que tinha algo de errado com a beterraba... Vocês ainda vão para a balada, sim? Eu vou para casa, preciso me deitar. Aproveitem! – pegou sua bolsa e saiu correndo.

Cassandra Cacilda começou a chorar assim que saiu do bar. Estava com seu orgulho ferido, e agora seu rímel estava borrado. Como iria superar aquilo? Estava chorando no beco ao lado do restaurante quando ouviu suas amigas saírem.

- Ela está muito estranha hoje. O que será que aconteceu? – perguntou uma às outras.
- Ela é estranha, vamos aceitar. Tem umas manias esquisitas e, o pior de tudo, acha que tem cabelo bom! – uma delas disse rindo.

As demais concordaram e seguiram até o carro, de onde iriam para a BaladaEco.

Cassandra Cacilda, ainda no beco, chorou mais ainda. Havia descoberto que suas amigas não eram amigas. Eram cobras. Eram falsas! Logo ela, que havia superado todo o seu passado de festas sexuais, regadas a bebidas e drogas. Ela achou que seria capaz de encontrar amigas de verdade. Mas estava enganada. E agora, sozinha no mundo.

Decidiu chamar um táxi. Pegou seu celular e começou a discar quando uma voz masculina, com timbre de autoridade, mas doce ao mesmo tempo, invadiu o beco:
- Você está bem? – a voz perguntava.
- Sim... eu acho – Cassandra respondia entre soluços.
- Saia daí, é perigoso. Venha para a luz, não vou te machucar.

Cassandra Cacilda, não se importando com a presença estranha que a chamava, foi em direção à voz. À medida que se aproximada, um cheiro conhecido invadia suas narinas. Era o rapaz do bar! O rapaz que, sem perceber, havia lhe dado um soco no estômago.

- Não chore, moça. – dizia ele abrindo os braços fortes para ela.

Cassandra Cacilda tentou falar alguma coisa. Agradecer, talvez. Mas só conseguia chorar. Atirou-se naqueles braços grandes, abraçando o tronco malhado do rapaz. Ela só precisava de um abraço. Alguém que lhe desse segurança, que a protegesse deste mundo cheio de pessoas infiéis, traidoras e manipuladoras. Um abraço para acalentar seu coração ferido.

Passaram um tempo abraçados na chuva. O frio não incomodava, seus corpos estavam quentes.

Então Cassandra Cacilda sentiu-se segura o suficiente para olhar nos olhos daquele homem que agora a abraçava como se fosse um velho amigo. Ficou admirando-o por alguns segundos, ensaiando, em sua mente, o que iria dizer para ele.

- Que... Quem é você? – gaguejando, foi tudo o que conseguiu pronunciar.
- Primeiro, vamos nos secar. Está muito frio aqui – ele respondeu com a voz firme, conduzindo-a até seu carro.

Estava entrando no carro de um estranho, mas não tinha medo. Ela se sentia segura. Algo dizia que, dali pra frente, as coisas seriam melhores.

Mas o quê a esperava? Isso, ela não sabia.

2 comentários:

  1. Bruna, que emoção, quando sai o próximo capítulo de Quando fala o coração?
    estou curioso pra saber o que acontecerá com Cassandra e o homem estranho!

    ResponderExcluir
  2. ahahhaa eu quero o próximo capítulo, estou muuuito curiosa para saber a continuação, quero veeeer o extinto selvagem da Cassandra com o homem cheirando a Avon e Bozzano! :P

    ResponderExcluir